16 de agosto: o velho e o novo na política brasileira

Daniela Mussi

Nas redes sociais, na imprensa, nas conversas privadas e no ambiente de trabalho, a participação ou não nos atos convocados para amanhã, 16 de agosto, se converteu em um tema da política nacional. Parte de uma campanha política agressiva e de contornos obscurantistas, os protestos de amanhã foram convocados para reforçar o coro dos que especulam uma saída conservadora para a crise econômica e política que se agudiza no país. A composição da participação deverá repetir, possivelmente de maneira ainda menos ambígua que em março e abril, o perfil participante como masculino, branco, escolarizado e pertencente aos estratos elevados das classes médias. Uma intersecção social que, cada vez, mais contrasta aquela que predominou no ciclo de manifestações iniciado em junho de 2013.

Os manifestantes que deram o ponta pé inicial nas incríveis jornadas de junho de 2013, vale notar, tinham um perfil social muito parecido ao dos 18 mortos da chacina da última semana em Osasco e Barueri, moradores das periferias das grandes cidades, empregados precários ou desempregados, com menos de 40 anos, e a maioria negros ou pardos. A execução destes trabalhadores à sangue frio – ao que tudo indica com participação de policiais – não foi explicada e não tem justificativa. Especulada como possível vingança pelo assassinato de um policial, este assassinato em massa de jovens pobres busca se sustentar nos mesmos argumentos que alimentam a campanha pela redução da maioridade penal, contra as políticas e os direitos sociais. É a destruição daqueles jovens pobres, negros da periferia, aqueles que, em 2013, carregaram com coragem inédita na história do Brasil recente as frustrações e aspirações de toda uma geração.

O 16 de agosto será mais uma tentativa de golpear e destruir as novas energias culturais e políticas que começaram a se descobrir em 2013. Sem coragem de admitir sua natureza, vai se anunciar como continuação da indignação popular e almejar vestir o chapéu da mudança. Nascida das contradições dos protestos populares de junho, aos quais aderiu por medo de evidenciar a própria incapacidade de pensar de maneira autônoma, a mobilização conservadora vai encontrar adeptos onde o confronto cultural, político e econômico promovido pelas classes trabalhadoras se enfraquecer. Será bem recebida onde a crítica faltar, e a angústia subalterna não puder se converter em consciência de classe. Vai crescer, por fim, onde a espera de um milagre não for substituída pelo ímpeto da luta.

A crise moderna, escreveu Antonio Gramsci quando prisioneiro político na Itália fascista, “consiste no fato de que o velho morre e o novo não pode nascer”, e “neste entretempo, se verificam os fenômenos mórbidos mais diversos” (Q, p. 311). A crise, aqui, não consiste apenas na análise do desempenho econômico capitalista ou das disputas políticas no interior da burguesia e dos partidos da ordem. Ela revela um impasse, um dilema. A decadência econômica e política burguesa contrastam com a ausência de uma alternativa concreta, que precisa nascer e não nasceu. Toda a morbidez da crise burguesa, com sua violência e cinismo, se prolifera, tomando de assalto todas as iniciativas da vida humana. Assim como a chacina de Osasco, o ato de 16 de agosto é um episódio da fase mórbida que a crise do capitalismo brasileiro enfrenta.

Será, indagava Gramsci, que um processo “de ruptura grave entre as massas populares e as ideologias dominantes” deve ser sempre irremediavelmente contornado pelo exercício da força que impede novas ideologias de se imporem? Será que a única saída para a crise brasileira é aquela em que tudo é resolvido pela “força” das velhas instituições? Pelos protocolos, partidos, leis, polícias e juízes que são sua expressão? Será que as energias políticas autônomas suscitadas nas ruas em 2013 não podem se desenvolver, vencer suas limitações e fazer nascer o novo?

Para Gramsci, à medida em que as velhas ideologias desmoronam são reduzidas às esfera política e econômica, o que abre um período de possibilidades para os subalternos. Não há mais leis, argumento de autoridade, dogmas místicos e regras que possam amortecer o desenvolvimento deste processo. Este vácuo as instituições burguesas não podem deixar de perceber, e a ele reagem habilitando todas as formas possíveis de monopólio destas duas esferas que concentram o embate ideológico. Se conforma um campo e lutas em que a economia se politiza e a política se torna a questão das relações econômica. Todo o resto se converte em tinta velha na parede, que descasca e cai com o tempo. Por isso, a “formação de uma nova cultura” não apenas é possível, mas se torna necessário.

O percurso da crise brasileira, o ritmo no qual as ideologias dominantes desmoronam e cedem espaço para algo novo não pode ser controlado ou “documentado” de maneira abstrata. A determinação do início e fim é, ela mesma, parte do embate mortal entre o velho e novo, sendo seus analistas e teóricos parte imprescindível deste conflito. Retomar a descoberta das novas energias políticas de junho de 2013, conecta-las às diferentes lutas ao redor do mundo, promover o encontro cultural e político das diferentes gerações e setores em luta. Ter coragem para abandonar o corporativismo e possibilismo. Nossa difícil tarefa é preparar o terreno para o novo.

Referência:

GRAMSCI, António. Quaderni del carcere. Edizione critica dell’Istituto Gramsci. A cura di Valentino Gerratana. Torino: Giulio Einaudi Editore, 1975

Ilustração Marlon Anjos

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